Kabir: Quatro Poemas

Poema nº 6

A lua brilha em mim,
Mas meus olhos cegos não podem vê-la.
O tambor da eternidade soa em mim,
Mas meus ouvidos surdos não podem ouvi-lo.
O cervo tem em seu corpo o almíscar,
Mas de bom grado o trocaria por capim.

Enquanto clama pelo "eu" e o "meu",
O trabalho do homem é inútil.
Quando o apego ao "eu" e ao "meu" se esvai,
O trabalho do Senhor acontece.
As flores florescem pelos frutos
E fenecem para que despontem.

Poema nº 20

Ó minha alma, para onde pretendes navegar,
Se não há viajante a seguir, não há roteiro?
Que oceano singrarás, em que cais aportarás,
Se não há mar, não há barco, não há barqueiro?

Se não há lugar, se não há hora, se não há meios,
Como acharás a água capaz de encher tua ânfora?
Sê forte e volta-te para o interior de ti mesma:
Aí encontrarás chão firme, aí deitarás tua âncora.

Kabir diz: Põe toda imaginação de lado,
E permanece impassível naquilo que és.

Poema nº 37

O que é feito da noite quando se ergue o sol?
Pode subsistir a ignorância se há conhecimento?
Existe lugar para a luxúria onde reside o amor?

Toma tua espada, amigo, e junta-te à batalha!
Luta com discernimento, combate sem temor.
Pois é em ti mesmo que se trava esta guerra.

Vence o apego, a aversão e a indiferença.
Ergue-te como fogo e queima a seara do orgulho.
Pois o reino que defendes é a perene alegria,

Kabir diz: Não há luta mais tenaz que a do buscador da verdade. O guerreiro luta algumas horas e o choro da viúva um dia finda. Mas quem busca a verdade terá de combater até o último suspiro.

Poema nº 49

Isso que vês, não é.
E, para o que é, não tenho palavras.
Até que o vejas, de que vale falar?
O erudito derrama-se em falação,
E o ignorante cala-se pasmo.

Alguns visualizam a forma.
Outros meditam no sem-forma.
Mas o sábio o contempla além de ambos.
Sua beleza não se entrega aos olhos.
Sua harmonia não se dá aos ouvidos.

Kabir diz: Funde aspiração e desapego,
E não descerás outra vez ao país dos mortos.

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KABIR (1440-1518). Kabir: cem poemas. Seleção e tradução ao inglês de R. Tagore. Tradução, ensaios e notas de José Tadeu Arantes. São Paulo: Attar, 2013.